Sobre o encontro de duas almas
nada há que possa ser dito, feito, explicado. Apenas sentido. E é isso: há os
que sentem e os que não. Aos que sentem, devem eles ser afeitos a ouvir e
escutar estrelas, tal qual Bilac. Aos que não, devem eles ter seus corações,
olhos e ouvidos tão presos a dogmas religiosos, a pensamentos arrogantes e
egoístas, a uma discriminação tão insensata que os impede de ver com olhos
livres a liberdade de quem não faz por mal, não faz para sair do padrão,
simplesmente ama. E amor é amor e pronto. Amor é amor e ponto. Sem traduzir,
perguntar, esconder. Amor é ação: verbo e atitude. De graça, cheio de graça,
bem-aventurado e bem-vindo, flor que desabrocha em terrenos vários, em solos às
vezes precários, mas frutifica! Fruta mordida por Eduardo e Mônica, Eduardo e
Eduardo ou Mônica e Mônica. Amor é pássaro solto, sem gaiola que o prenda.
Quando deixa de ser, transformou-se em coisa outra ou nunca foi plenamente
amor.
Os amores arco-íris sofrem como
outros quaisquer. Mas amam como quaisquer outros também, ou até mais. Trata-se
de cumplicidade, companheirismo, lealdade, honestidade, vontade de viver sem o
medo e a repressão, de mostrar a quem quiser ver, porque não há o que mentir,
já que, em sendo um em dois, dois em um, a voz que se pronuncia não é a de
fora, mas a de dentro. É aquele impulso magnético que diz “vamos brincar de
olhar as nuvens e tentar adivinhar com o que se parecem”, pois brincar do que
quer que seja com quem se ama, nunca é pura e simplesmente um brincar: é ser
quem quer ser, sem máscaras, sem os labirintos internos que mantêm em sua
frente a placa “Proibido o acesso de pessoas estranhas a este local”. Olhar o
céu para contar estrelas, admirar a lua (ah, a lua dos apaixonados!), ver o
rastro que o avião deixa, tudo isso é um presente (um bobo mas significativo
presente) que somente quem tem coragem encontra tempo para abri-lo.
Amores coloridos são reais.
Estão aos montes por aí, talvez saindo à noite, quando o lado obscuro do dia
permite o caminhar a dois, de mãos dadas, em ruas desertas, até que alguém
lance um olhar de repulsa ou um xingamento qualquer. Para tais olhares, o
sorriso mais inocente, porque eles veem, mas jamais compreendem que amor não é
relação um-a-um na diferença de sexo; é dois-em-um, não importa idade, raça,
religião ou... sexo! É ser e estar (como o verbo To Be, do inglês) em alguém, quando as comportas da alma se abrem e
é possível repousar silenciosamente na alma de outra pessoa, tendo-se a
impressão de que, em meio ao nada do que foi dito, mesmo assim tudo foi falado,
pronunciado, sentido. E dura toda a eternidade, só para começar. Caminhar de
mãos dadas é abrir caminhos para o caminho que seria duplo, mas se tornou uno à
medida que dois, unidos, possuem a força que tudo enfrenta, seja a floresta mais
densa ou a guerra com o mais potente arsenal. Apontem as armas como apontam os
dedos e verão que, em meio à crítica e ao desprezo, nasce a flor que embeleza o
solo da ignorância que é, tantas vezes, adubado com o discurso de ódio e
desconhecimento contra quem só quer amar. Menos armas químicas e mais poemas,
por favor. Construa seus tabus e suas tábuas e se crucifique neles,
sociedade hipócrita!
Amores assim muito interessam a
quem interesse tiver. Eles viram casos de novela, romance, música. Estão em
raios de sol que atingem a todos, tão democraticamente quanto a chuva. Mas
também estão trancafiados em mínimas caixas de segredo, trancados a chave cuja
chave se perdeu nos intestinos do tempo. A eles, lancem-se a prece e o
incentivo, ao invés da injúria e do lamento, os bodes expiatórios já podem ser
outros, afinal e amém. Até parece que não entendem que amor que é amor junta as
escovas de dente e de cabelo, mas também os livros, os cds, os travesseiros, os
roncos, os passados e os sonhos, porque o amor já juntou os corações. Nas
promessas feitas – e quantas promessas feitas! –, fica guardado o desejo de que
dias possa haver para que mais e mais promessas se tornem realidade e não se
dissipem no ar. Colorir o amor com tinta sangue e suor, viver em função de dias
sempre brancos, enluarados, mesmo quando faltar a luz da felicidade mais
eletrizante; olhar nos olhos quando os momentos (todos eles) requererem a visão
mais profunda, que trespassa e ultrapassa, sem nunca trapacear, trair ou
trucidar...
A água e o fogo, assim como a
escuridão e os obstáculos, podem extinguir tudo, mas não põem fim ao que mais
importa: o Amor. Eis o resumo da paciência, da dedicação, da simplicidade, do
carinho, da união, do vínculo que se cria, se gera, mas não perece. Amor quando
é amor não escolhe homem, mulher ou andrógino; gato, cachorro, periquito ou papagaio. Chega devastando tudo e construindo algo em volta. Dos destroços que
havia ergue-se um templo cujo centro é pulsante e imortal, reluzente mais que
ouro de aliança. Trata-se da relíquia do relicário mais inviolável, que resiste
aos barulhos exteriores e aos impulsos interiores, aos bagulhos amontoados e
aos instintos mais insanos, e cresce e alcança dimensões que mares nenhuns que
tenham já sido navegados são tão atlânticos, tão índicos ou tão pacíficos que
possam ser usados como comparação, desenho, bússola ou relógio. Amores
coloridos são férteis, são banais, são amor: e reclamam ser apenas o que são:
Amor. E querem apenas ser o que são: tesouro maior para humanos humanizados.
Corações vazios e incolores se
reconhecem. Talvez por estar um à procura do outro a fim de se tornarem dois
que batem como um, tal qual sino que retumba por dois. Corações que passam a
brilhar com tamanha intensidade que é capaz de cegar a quem o olhe sem o
enxergar, sem o compreender. Haja sensibilidade para degustar fruta madura como
essa, amor que se colhe ao pé do abismo! Aplausos pelo que sentem no fundo
mistério do sentir, ou pelo que já sentiam antes de sentir e que somente se
ampliou após dar luz ao sentimento da igualdade. A identidade dos amantes pouco
importa (não, não importa), pois não influencia em nada que seja amor. Agora e
sempre, o que realmente se tem em vista é não ter em vista o final, o fluxo do
tempo, porque amor que é amor tem tamanho que olhos comuns não abarcam,
proporção a se perder de vista... e nada do que se diga lhe diminui nem
explica. Amor, amor mesmo, não é como o vento ou o tempo: não passa.
Amor é amor e pronto. Amor é
amor e ponto. Ponto e pronto.