sábado, 15 de novembro de 2014

Uma menina chamada Patrícia


 
 
Há certas pessoas no mundo que trazem nos olhos e nos gestos uma magia especial: envolver quem com elas se relacione em um mundo de ternura, no qual só cabem sentimentos doces e aquela pureza peculiar que pertence somente a quem consegue dialogar com as fadas. Em Lisboa, conheci uma pessoa assim. Uma menina chamada Patrícia.

Cheguei à casa de sua mãe, nova e carinhosa amiga que me ensinou lindos recantos de Lisboa e cidades vizinhas, e a vi, pela primeira vez. Ela, com a beleza que os treze anos possui, imediatamente revelou sua simpatia e educação, me cumprimentando sem qualquer resquício de desconfiança, como é comum acontecer quando uma pessoa estranha invade o espaço dos adolescentes. Ao contrário, viva e generosa, abriu, como mãe, as portas de sua casa, fazendo-me sentir parte de uma família que me lembrou a minha, já que ali também vivem uma mãe com suas duas filhas.

A intimidade entre nós surgiu quando ela, espontânea, mostrou-se encantada com minhas unhas, que, na ocasião, longas e feitas, portavam a força do esmalte escuro, que nunca passa despercebido. Quisera ela também ter unhas assim: longas e bem pintadas! E mais: unhas de verdade! Não postiças. Achei engraçado o seu encantamento e, manicure que gosto de ser, logo me ofereci: faço as suas se você quiser. E ali fez-se um pacto entre nós.

Voltei a vê-la em um jantar, também em sua casa. Altíssima, com belos cabelos longos e um olhar cheio de pestanas e luz, ela era um pouco a alma da casa. Trazia também os hábitos adolescentes do computador ao colo, da capacidade de, simultaneamente, conversar com os presentes e com os virtuais, do nome de cantores pop na ponta da língua, dos deveres da escola por perto, sinalizando o cotidiano. Eu me despedi dela, pensando que não voltaria a encontrá-la nessa viagem, e lhe deixei de pronto o convite para vir ao Brasil quando quisesse, abrindo as portas de minha casa a ela também. Contudo, voltaria, sim, a vê-la.

Acontece que sua mãe, em outro gesto generoso, permitiu que eu me hospedasse por uma noite em seu apartamento, antes de embarcar para o Brasil, pois eu voltaria de Paris na véspera do voo e ainda não tinha uma reserva de hotel. Fique em minha casa, disse ela. E não precisa procurar hotel... Ninguém, entretanto, estaria no apartamento, pois minha amiga viajaria, a filha mais velha estava em outra cidade, e Patrícia ficaria na casa do pai.

Em Paris, comprei um presentinho simples para Patrícia: um chaveiro parisiense típico, cheio de penduricalhos que lembram o charme feminino da cidade. Deixaria para ela, como um registro de que havia conquistado minha amizade.

Um e-mail de sua mãe chegou de repente, me dizendo que Patrícia havia pedido para estar comigo naquela noite, porque gostaria de se despedir de mim. Caberia a mim apenas preparar uma pizza para nós duas e deixar-lhe algo para que comesse no dia seguinte antes de ir para a escola. Imediatamente me senti feliz! Seria uma alegria estar com Patrícia e cuidar dela um pouquinho. A manicure, claro, estava convocada!

Eu já estava no apartamento quando ela chegou. Incrível como essas pessoas mágicas conseguem chegar acendendo luzes, sem que nenhuma luz precise estar acesa. Trocamos um abraço e já fomos para a cozinha, espaço doméstico onde começaríamos a conversar sobre uma porção de coisas, que aqui não descrevo pela inutilidade de ratificar o quanto podemos nos sentir bem quando conhecemos uma pessoa bacana.

Assistimos a um filme. Bem, eu assisti ao filme, e ela assistiu ao filme e interagiu com as amigas pelo computador. E adorei a sensação de me lembrar de “momentos família” que vivi muitas vezes com minhas filhas. Comida no colo (nos meus momentos família a “comida” era quase sempre um miojo... Eis a cozinheira que ficou na lembrança de minhas meninas!), filme romântico na tela, sofá confortável, companhia estupenda. Doce forma de me despedir da linda Lisboa!

Fiz-lhe, obviamente, as unhas. Esmalte clarinho, para respeitar o acordo com a mãe. Mas, ciente de seu desejo de outros esmaltes, de outras unhas, me ofereci a colocar uma pequena florzinha vermelha nas unhas dos polegares. Ela, animada, aceitou na hora, parecendo incrédula quanto à oportunidade de ter algo diferente nas mãos. Fiz as florezinhas, e ela ficou deslumbrada: disse-me seria sucesso na escola no dia seguinte! A ternura que senti naquele momento foi grande. Apenas uma florzinha tão pequenina podia lhe fazer abrir aquele sorriso feliz? Como a felicidade pode ser simples... Aliás, o chaveiro foi recebido com igual entusiasmo. Logo tratou de buscar as chaves para inaugurar o presente. Por sinal, precisei retocar uma unha tal foi o empenho dela em colocar logo as chaves no chaveiro. E meu presentinho simples ganhou status de joia.

Preparei-lhe, constrangida, o almoço para o dia seguinte. Claro que tive que lhe revelar que eu, ao contrário de sua mãe, era péssima cozinheira. Mas ela, tal como fizera antes, valorizou com todo o carinho o arroz branco, os ovos cozidos e a cenoura que lhe preparei. Fiz também um doce de maçã. Deixei tudo arrumadinho na cozinha, para que, no dia seguinte, ela pudesse facilmente almoçar e seguir para a escola.

Mostrou-me seu quarto, ofereceu-me seus muitos shampoos quando decidi tomar um banho, ajudou-me a preparar o doce, organizou comigo a cozinha. 100% companheira!

Mas um detalhe tornou a noite ainda mais especial. Ela, enquanto víamos o filme, me pediu para ler a postagem que uma amiga havia posto no facebook e que ela havia adorado. Era um texto muito lindinho sobre o fato de meninas legais não precisarem ser bonitas. Ela parecia encontrar naquele texto um espelho confortador para seus sentimentos. Mesmo sendo um texto cheio de razão: meninas legais não precisam mesmo ser bonitas. Ninguém, na verdade, “precisa” ser bonito por fora se traz a beleza por dentro, pois a beleza de dentro tem o poder de se espalhar por fora tornando bonito o que a sociedade, presunçosa e ditadora, trata de classificar como esteticamente feio ou medianamente bonito. Todavia, sua identificação com o texto me fez perceber que ela própria não se percebia bonita. E eu sorri por dentro, na minha jurássica pele de cinquentona, porque sabia que aquela menina, chamada Patrícia, logo saberia conscientemente quão bela é, por dentro e por fora.

Espero que Patrícia venha trazer suas luzes coloridas ao Brasil, passando uma temporada comigo. Tratarei de providenciar que minhas filhas a conheçam e me ajudem a mostrar a ela as paisagens e as rotinas deste nordeste que amo. Sei que ela, viva, curiosa e gentil como é, interagirá com as brasilidades, as nordestinidades, e compreenderá nossas lindezas e mazelas. Porque meninas legais não precisam de visto. Aonde quer que cheguem terão portas e corações abertos para recebê-las.

Obrigada, Patrícia, por ser a menina legal (e linda!!) que é!

 

Christina Ramalho