sábado, 13 de dezembro de 2014
O herói das mil faces
Eu considerei a beleza do caminho das pedras, pois nele também há libertação. Andar por sobre os afiados pedregulhos, ferir os pés na lâmina dos seixos, cansar as pernas e fraquejar diante dos obstáculos fazem parte do trajeto. No entanto, foi aí que percebi que o verdadeiro herói jamais dispensa os perigos, as aventuras, as perdas, os mistérios, o sangrar, mas sobretudo ele insiste em não desistir para renascer: cada passo depois da partida é um passo a mais em direção ao Paraíso, Shangri-la místico, Pasárgada eternamente encantada.
sábado, 15 de novembro de 2014
Uma menina chamada Patrícia
Há certas pessoas no mundo que trazem nos olhos e nos gestos uma magia especial: envolver quem com elas se relacione em um mundo de ternura, no qual só cabem sentimentos doces e aquela pureza peculiar que pertence somente a quem consegue dialogar com as fadas. Em Lisboa, conheci uma pessoa assim. Uma menina chamada Patrícia.
Cheguei à casa de sua mãe, nova e carinhosa amiga que me ensinou lindos recantos de Lisboa e cidades vizinhas, e a vi, pela primeira vez. Ela, com a beleza que os treze anos possui, imediatamente revelou sua simpatia e educação, me cumprimentando sem qualquer resquício de desconfiança, como é comum acontecer quando uma pessoa estranha invade o espaço dos adolescentes. Ao contrário, viva e generosa, abriu, como mãe, as portas de sua casa, fazendo-me sentir parte de uma família que me lembrou a minha, já que ali também vivem uma mãe com suas duas filhas.
A intimidade entre nós surgiu quando ela, espontânea, mostrou-se encantada com minhas unhas, que, na ocasião, longas e feitas, portavam a força do esmalte escuro, que nunca passa despercebido. Quisera ela também ter unhas assim: longas e bem pintadas! E mais: unhas de verdade! Não postiças. Achei engraçado o seu encantamento e, manicure que gosto de ser, logo me ofereci: faço as suas se você quiser. E ali fez-se um pacto entre nós.
Voltei a vê-la em um jantar, também em sua casa. Altíssima, com belos cabelos longos e um olhar cheio de pestanas e luz, ela era um pouco a alma da casa. Trazia também os hábitos adolescentes do computador ao colo, da capacidade de, simultaneamente, conversar com os presentes e com os virtuais, do nome de cantores pop na ponta da língua, dos deveres da escola por perto, sinalizando o cotidiano. Eu me despedi dela, pensando que não voltaria a encontrá-la nessa viagem, e lhe deixei de pronto o convite para vir ao Brasil quando quisesse, abrindo as portas de minha casa a ela também. Contudo, voltaria, sim, a vê-la.
Acontece que sua mãe, em outro gesto generoso, permitiu que eu me hospedasse por uma noite em seu apartamento, antes de embarcar para o Brasil, pois eu voltaria de Paris na véspera do voo e ainda não tinha uma reserva de hotel. Fique em minha casa, disse ela. E não precisa procurar hotel... Ninguém, entretanto, estaria no apartamento, pois minha amiga viajaria, a filha mais velha estava em outra cidade, e Patrícia ficaria na casa do pai.
Em Paris, comprei um presentinho simples para Patrícia: um chaveiro parisiense típico, cheio de penduricalhos que lembram o charme feminino da cidade. Deixaria para ela, como um registro de que havia conquistado minha amizade.
Um e-mail de sua mãe chegou de repente, me dizendo que Patrícia havia pedido para estar comigo naquela noite, porque gostaria de se despedir de mim. Caberia a mim apenas preparar uma pizza para nós duas e deixar-lhe algo para que comesse no dia seguinte antes de ir para a escola. Imediatamente me senti feliz! Seria uma alegria estar com Patrícia e cuidar dela um pouquinho. A manicure, claro, estava convocada!
Eu já estava no apartamento quando ela chegou. Incrível como essas pessoas mágicas conseguem chegar acendendo luzes, sem que nenhuma luz precise estar acesa. Trocamos um abraço e já fomos para a cozinha, espaço doméstico onde começaríamos a conversar sobre uma porção de coisas, que aqui não descrevo pela inutilidade de ratificar o quanto podemos nos sentir bem quando conhecemos uma pessoa bacana.
Assistimos a um filme. Bem, eu assisti ao filme, e ela assistiu ao filme e interagiu com as amigas pelo computador. E adorei a sensação de me lembrar de “momentos família” que vivi muitas vezes com minhas filhas. Comida no colo (nos meus momentos família a “comida” era quase sempre um miojo... Eis a cozinheira que ficou na lembrança de minhas meninas!), filme romântico na tela, sofá confortável, companhia estupenda. Doce forma de me despedir da linda Lisboa!
Fiz-lhe, obviamente, as unhas. Esmalte clarinho, para respeitar o acordo com a mãe. Mas, ciente de seu desejo de outros esmaltes, de outras unhas, me ofereci a colocar uma pequena florzinha vermelha nas unhas dos polegares. Ela, animada, aceitou na hora, parecendo incrédula quanto à oportunidade de ter algo diferente nas mãos. Fiz as florezinhas, e ela ficou deslumbrada: disse-me seria sucesso na escola no dia seguinte! A ternura que senti naquele momento foi grande. Apenas uma florzinha tão pequenina podia lhe fazer abrir aquele sorriso feliz? Como a felicidade pode ser simples... Aliás, o chaveiro foi recebido com igual entusiasmo. Logo tratou de buscar as chaves para inaugurar o presente. Por sinal, precisei retocar uma unha tal foi o empenho dela em colocar logo as chaves no chaveiro. E meu presentinho simples ganhou status de joia.
Preparei-lhe, constrangida, o almoço para o dia seguinte. Claro que tive que lhe revelar que eu, ao contrário de sua mãe, era péssima cozinheira. Mas ela, tal como fizera antes, valorizou com todo o carinho o arroz branco, os ovos cozidos e a cenoura que lhe preparei. Fiz também um doce de maçã. Deixei tudo arrumadinho na cozinha, para que, no dia seguinte, ela pudesse facilmente almoçar e seguir para a escola.
Mostrou-me seu quarto, ofereceu-me seus muitos shampoos quando decidi tomar um banho, ajudou-me a preparar o doce, organizou comigo a cozinha. 100% companheira!
Mas um detalhe tornou a noite ainda mais especial. Ela, enquanto víamos o filme, me pediu para ler a postagem que uma amiga havia posto no facebook e que ela havia adorado. Era um texto muito lindinho sobre o fato de meninas legais não precisarem ser bonitas. Ela parecia encontrar naquele texto um espelho confortador para seus sentimentos. Mesmo sendo um texto cheio de razão: meninas legais não precisam mesmo ser bonitas. Ninguém, na verdade, “precisa” ser bonito por fora se traz a beleza por dentro, pois a beleza de dentro tem o poder de se espalhar por fora tornando bonito o que a sociedade, presunçosa e ditadora, trata de classificar como esteticamente feio ou medianamente bonito. Todavia, sua identificação com o texto me fez perceber que ela própria não se percebia bonita. E eu sorri por dentro, na minha jurássica pele de cinquentona, porque sabia que aquela menina, chamada Patrícia, logo saberia conscientemente quão bela é, por dentro e por fora.
Espero que Patrícia venha trazer suas luzes coloridas ao Brasil, passando uma temporada comigo. Tratarei de providenciar que minhas filhas a conheçam e me ajudem a mostrar a ela as paisagens e as rotinas deste nordeste que amo. Sei que ela, viva, curiosa e gentil como é, interagirá com as brasilidades, as nordestinidades, e compreenderá nossas lindezas e mazelas. Porque meninas legais não precisam de visto. Aonde quer que cheguem terão portas e corações abertos para recebê-las.
Obrigada, Patrícia, por ser a menina legal (e linda!!) que é!
Christina Ramalho
terça-feira, 28 de outubro de 2014
A menina do avião
Voava de Paris a Lisboa, deixando
os pensamentos correrem soltos, como as nuvens que se ofereciam à contemplação
serena de meu corpo relaxado, mas um tanto cansado das últimas tarefas
acadêmicas. Sempre que estou longe de casa surge aquele compromisso explícito
com as divagações sobre o sentido da vida, os pertencimentos, as diferenças, as
relações humanas. E o avião amplia esse compromisso, pois nossa fragilidade na
situação de voar com asas alheias deixa bem claro que só temos o pensar como
resquício de nossa humanidade. Assim ia eu, refém que estava da vontade
absoluta do pássaro metálico gigante e, ainda nestes tempos tão tecnológicos,
impressionante.
A meu lado, sentada e um tanto
inquieta, uma menina de uns doze anos, dona de olhos redondos e vivos, esticava
o pescoço em busca de alcançar a vista da pequena janelinha da qual eu,
aparentemente, era a dona. Via-se claramente que seu desejo era de paisagem, e
eu quis muito ceder a ela meu lugar, mas, na terceira poltrona, o pai, sério e
concentrado, me deixava tímida. Não conhecia a língua que falavam, o que
aumentou minha timidez. Cedi, no entanto, o mais que pude, espaço para que a
bela menina saciasse um pouco sua curiosidade de céu, nuvens e pouco mais.
Obviamente, a menina não tinha
nome para mim. Fiquei a imaginar qual seria. Olhei-a de soslaio, e percebi
detalhes como seus brinquinhos azuis, suas unhas com estrelinhas que brilhavam,
seus chinelos, sua bolsa cheia de pequenas flores, a cor de jambo de seus
braços. Mas ela, concentrada que estava no exercício de buscar o céu, não
reparou na minha curiosidade indiscreta.
De repente, a refeição a bordo.
Eu recusei. Estava cansada das comidas de avião. Ela aceitou prontamente, mas,
logo percebi, nada pareceu lhe agradar muito. Invertendo a dita ordem das
coisas, ela começou pela sobremesa. Pequenos pedaços de pera, que eu já havia
conhecido no voo de ida. Duros, sem graça... Não deu outra. Ela ficou no
primeiro pedaço e logo tampou o pequeno recipiente. Partiu para algo entre uma
panqueca e uma lasanha. Uma só garfada bastou. Não havia nada que pudesse ser
interessante para uma mocinha certamente acostumada a outros sabores.
Desiludida, ela fechou as embalagens e deixou o olhar perder-se, sem comida,
sem janela, sem nada. Eu, como tinha um Toblerone na bolsa, tratei de lhe
oferecer um pedaço, mas ela não aceitou. Não gostaria de chocolate? Recusou por
excesso de educação? Ou seria a figura do pai que lhe deixava sob controle?
Comi um pedacinho e guardei o que restava na bolsa. Ela desinteressou-se de
minha guloseima.
Mais uma hora de voo e estaríamos
em Paris, mas certamente o tempo lhe deveria parecer eterno, dadas as
limitações que a situação lhe impunha. Decidiu dormir. E eu me concentrei
novamente em minhas divagações.
De repente, o peso leve em meu
ombro. Dormindo, a menina deixara o corpo solto, também como as nuvens, e o
balanço do avião fez sua cabeça tombar em minha direção. Primeiro, só um peso
leve, depois, o peso absoluto de quem se entregou ao conforto de um travesseiro
imprevisto: meu ombro. E ali ficaria ela até os minutos finais do voo, dormindo
pesadamente, aninhada em meu ombro e, sem saber, oferecendo-me uma onda doce de
ternura, que me fez bem.
Acomodei-me o melhor que pude
para que meu ombro lhe fosse confortável. O pai também dormia e não vira a
filha aninhar-se em meu ombro. Tudo estava em plena paz e equilíbrio. A cabeça
de menina me fez lembrar das meninas (já mulheres) que tenho, e vi Gabi e Isa
também adormecendo em meu ombro. Tive vontade de lhe fazer um cafuné, tal como
faria em minhas meninas. Aquela jovem e desconhecida criatura era,
momentaneamente, uma filha adormecida no conforto da mãe. E eu a amei naquele
fragmento de tempo e espaço, porque ela era refúgio para minha saudade e era,
igualmente, materialidade da leveza que
só a infância tem, em sua maravilhosa entrega ao desconhecido. Cheguei a torcer
para que o tempo que faltava se arrastasse mais lento que os ponteiros, só para
continuar a desfrutar mais um pouquinho daquela maternidade tão artificial e
real ao mesmo tempo. Olhei novamente pela janela e me senti feliz pela
responsabilidade recém assumida de deixar a menina desfrutar de seu sono em
paz.
Cerca de quarenta minutos depois,
ela acordou aos pouquinhos, e nem se deu conta de haver dormido em meu ombro. Ou, se se deu conta, não pareceu se importar. Ao
contrário, levantou a cabeça preguiçosamente, espreguiçou-se, compôs as roupas,
puxando a camiseta cor de rosa que vestia, olhou para o pai e viu que
continuava dormindo. Nossos olhares, então, se encontraram. E eu, não querendo
ser mãe de filha desconhecida, arrisquei: “Comment t’appelle tu?”. A reposta
foi brevíssima: “Leah” (Pelo modo como pronunciou, imagino que se escreva
assim). Deu-me um sorriso. Eu retribui. E c’est
fini! Chegávamos a Lisboa.
Leah, a menina do avião, agora
com nome, deixou em meu ombro, em meu coração e em meu pensamento a certeza de
que a vida poderia ser muito, mas muito mais simples, se em cada corpo cansado
houvesse uma cabeça ainda não maculada por todas as regras, cerimônias,
protocolos e limitações que nos afastam cada vez mais da beleza da infância e
da capacidade de ver no outro, seja quem for, um pouco de nós. E se, também,
houvesse ombros disponíveis aos encontros inesperados. Sei que se meu vizinho
fosse um adulto, eu provavelmente não sentiria ternura nem seria tão
acolhedora. E essa certeza me joga, novamente, na realidade. Por que somos
assim? Por que, Leah, te pergunto, a infância nos deixa tão distantes de nós
mesmos?
quarta-feira, 15 de outubro de 2014
MASSINHA DE MODELAR
Flávio Passos
Hoje,
ao acordar, me veio a lembrança de minha irmã mais velha voltando da escola, eu
sempre a esperava na calçada de minha casa ansioso para ver quais seriam as
suas tarefas daquele dia. Nesse tempo eu ainda não estudava e tinha uma enorme
curiosidade de saber que lugar era esse chamado Escola. Eu sabia que era um
lugar muito divertido, pois minha irmã me dizia que lá todo mundo ganhava uma
tia, todo mundo tinha uma mochila e vários cadernos para rabiscar. Ah, e o
principal: todo mundo tinha massinha de modelar... Passou algum tempo e minha
mãe disse-me que eu iria começar a estudar também. Ela comprou mochila, vários
cadernos, lápis, borracha e muitas massinhas de modelar. No primeiro dia de
aula eu estava muito curioso para saber quem seria minha nova tia, eu tinha
outras tias, mas as outras eu já as conhecia desde bebê e essa seria nova. Minha
mãe me levou até uma sala toda colorida, com várias mesinhas, cadeiras e
brinquedos e, apontando para uma mulher sorridente, disse: Essa é a sua nova
tia, você agora vai ficar com ela, seja um menino obediente, mais tarde eu
venho te buscar. Minha tia deu-me um beijo e me levou até uma cadeira. Eu
sentei e fiquei observando as outras crianças, algumas choravam
desesperadamente (acho que elas estavam doentes), outras estavam correndo de
pega-pega e algumas sentadas assim como eu. Algum tempo depois, a nossa tia
começou a contar historinhas e todo mundo ficou curioso para ouvir, até as crianças
que estavam com dor pararam de chorar. No fim da manhã, minha mãe apareceu na
porta da sala para me levar para casa. Despedi-me da minha tia e fomos embora.
Alguns anos se passaram e algumas coisas mudaram, agora, eu já tinha conhecido outras
tias e já sabia ler, escrever e contar, essas tias passaram a ser chamadas de
professoras e também passei a ter professores. Essas mudanças eu até que aceitei
rápido, só não entendi porque ninguém mais brincava de massa de modelar no
recreio. Com o tempo, mudanças outras surgiram, eu tinha vários professores,
todos eles ensinavam em tempos denominados de horários e não mais a manhã
completa como antes, surgiram outras disciplinas, algumas eu passei a gostar de
cara como Redação, Literatura e Filosofia, mas apareceram outras que doía a
cabeça só de ouvir o nome como Física e Química, sem falar em Matemática que insistia
em me seguir ano após ano. Nesse tempo, com algumas mudanças, achei que as
massas de modelar voltariam, mas nada de elas voltarem. Daí chegou o dia em que
tive que fazer uma prova e escolher o que iria optar a estudar e trabalhar no
futuro, claro que optei por aquilo que sempre gostei: estudar português e
trabalhar na escola. Essa foi mais outra fase, outros professores, outros
colegas, a escola agora era bem maior e tinha mudado de nome, era outro mundo. Nela,
os professores eram diferentes, eles nos ensinavam como ensinar. Aprendemos
coisas desde os sons da fala, passando pela construção das palavras, das
frases, dos textos, dos discursos, sem contar nas teorias literárias, nas
literaturas brasileiras, portuguesas, africanas... Hoje, estou na reta final dessa
fase que também não houve massinha de modelar como aquela que minha tia dava na
escola para a gente brincar, mas sei que essa massinha sempre esteve presente,
durante esses anos, personificada na figura de meus professores, estes, me modelaram,
me juntaram com diferentes massinhas e me ensinaram como modelar. E sei que,
assim como a massinha de modelar, estarei sempre sendo modelado e me modelando,
pois essa é a parte mais divertida da massinha de modelar.
Fonte imagem: http://bebeaporter.com/2010/11/12/receita-de-massinha-de-modelar/
quarta-feira, 27 de agosto de 2014
Livro de esquecimento
Éverton Santos
Ser esquecido é como estar se afogando, agonizando por
socorro, se debatendo em desespero, sem saber nadar, a poucos metros da areia
ou da margem. Ninguém entra na água, ninguém pode salvar: o que resta do resto
é um corpo entregue ao nada, uma matéria sem existência, um tênue registro do
já-foi e do nada-mais-é.
O ser esquecido dói mais do que a ferida de ver a pessoa que
você ama te olhar nos olhos, seriamente, e ouvi-la dizer, em voz de veludo e
violino, que não dá mais pra continuar com você. Esse é, pois, o início do pior
esquecimento indigesto e intragável: o deixar-de-ser.
Esquecer é não lembrar ou morrer na memória? É deixar, no não-mais,
a história; é ver bailar a poeira como estrelas de pó sobre cada finito “Era
uma vez...”. E, se viver é mesmo um livro de esquecimento, esquecer é,
sobretudo, carregar um obscuro cemitério na cabeça.
E o que falar de tudo o que morre e continua vivo nas
reminiscências? E o que dizer de tudo o que fica morto na recordação de um e
ainda mais vivo na vida de outro? E mais: como pode sobreviver aquilo que, nem
querendo, vai deixar de ser agora apenas uma ideia?
O esforço pra lembrar é a vontade de esquecer. E o esforço
pra esquecer aguça o desejo de não mais lembrar. No entanto, a pressa de tirar
da mente pode ser tanto uma necessidade quanto uma obrigação: necessidade de
paz interior e obrigação de desfazer os nós que prendem os presentes e os
futuros às amarras dos passados, em nome do por-vir.
Entre o tempo e o vento há o passar. Entre eles e a memória,
o sempre-lá.
Quem lembra salva um afogado.
Imortalidade não é não
morrer: é não ser esquecido.
Éverton Santos
terça-feira, 1 de julho de 2014
Antes que termine o dia
Éverton Santos
“– Se soubesse que não te resta muito tempo de vida, se só tivesse um dia, o que faria?”
“– É uma resposta fácil e ridícula. Eu passaria com você.”
Meu coração, não sei por que, bate feliz quando te vê:
“Quando te vi passar fiquei paralisado, tremi até o chão como um terremoto no Japão, um vento, um tufão, uma batedeira sem botão. Foi assim, viu, me vi na sua mão.”
Sabe quando a gente tem vontade de encontrar a novidade de uma pessoa?
“Eu quis te conhecer, mas tenho que aceitar, caberá ao nosso amor o eterno ou o não dá. Pode ser cruel a eternidade, eu ando em frente por sentir vontade.”
O que está acontecendo? Eu estava em paz quando você chegou:
“Como se o silêncio dissesse tudo, um sentimento bom vem e me leva pra outro mundo. A vontade de te ver já é maior que tudo, não existem distâncias no meu novo mundo. Junto coisas da sétima arte, aconteceu sem que eu imaginasse. Tão natural quanto a luz do dia, mas que preguiça boa, me deixa aqui à toa, hoje ninguém vai estragar meu dia, só vou gastar energia pra beijar sua boca. Fica comigo, então, não me abandona, não.”
Eu já sei o que os meus olhos vão querer quando eu te encontrar:
“Olhe nos meus olhos e diga o que você vê quando eles veem que você me vê. Olho nos seus olhos e o que eu posso ver, que eles ficam melhores quando eles me leem.”
Voe por todo o mar e volte aqui pro meu peito:
“Se você vier pro que der e vier comigo, eu te prometo o sol se hoje o sol sair ou a chuva se a chuva cair, se você vier até onde a gente chegar, numa praça, na beira do mar, um pedaço de qualquer lugar; nesse dia branco, se branco ele for, esse tanto, esse tão grande amor, se você quiser e vier pro que der e vier comigo.”
Tornar o amor real é expulsá-lo de você, pra que ele possa ser de alguém:
“Amar não é ter que ter sempre certeza, é aceitar que ninguém é perfeito pra ninguém, é tentar ser você mesmo e não precisar fingir, é tentar esquecer e não conseguir fugir.”
Pra que parar pra refletir se meu reflexo é você?
“Se eu tivesse a força que você pensa que eu tenho, eu gravaria no metal da minha pele o teu desenho. Feitos um pro outro, feitos pra durar, uma luz que não possui sombra.”
Por onde andei enquanto você me procurava?
“Você foi como um dilúvio de amor, arrancando do meu peito uma dor, e no lugar daquela cicatriz marcou as cenas lindas que o tempo já notou. Você é minha tempestade do bem, trazendo chuva ao meu deserto, me fazendo alguém.”
– Haja o que houver?
– Haja o que houver.
segunda-feira, 26 de maio de 2014
Teu peito: paz do meu ser
Éverton Santos
Sabe aquele
peito sobre o qual você se debruça e deixa sua alma se esparramar? Aquele peito
de carne e osso onde angústia nenhuma é capaz de criar raízes e frutificar?
Aquele peito com cheiro de “eu-te-protegerei-não-importa-o-que-aconteça”, onde
bate o mais terno coração que você jamais queria ver parar?
Então...
Tive teu peito
ligado ao meu por um momento que parecia ao mesmo tempo eterno e rápido demais.
“Eu trocaria a eternidade por esta noite”, pensei enquanto dedilhava
silenciosamente a inebriante canção do teu tique-taque cardíaco. Poderia
cochilar o sono mais profundo nesta almofada humana, que levitava no compasso de uma respiração tão
vivaz que me fazia ainda mais crer que as pessoas não deveriam mesmo petrificar-se:
o peito é máquina enérgica; o teu é fonte de carinho perpétuo.
Teu peito,
seja na vertical ou na horizontal, tem um quê de magnitude e magnetismo, que
pede e recebe meu abraço, que se doa e é dominado pelo toque dos meus braços
quando gentilmente se beijam. Teu peito é metáfora do encantamento, da suavidade,
do refúgio. É meu laço, nunca meu nó. É meu regaço, meu sossego e meu infinito
deslumbramento. Nas sem-razões que há para amar, eu amo. No teu peito, me
derramo, em teu abrigo mais que humano encontro a paz.
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